segunda-feira, agosto 31, 2009

Cuide de Você





Na semana passada, fui para São Paulo para a Mostra Internacional de Curtas, porque o meu vídeo do Philip Glass estava passando e eu queria assisti-lo numa sessão no Festival. Aproveitei para ver a exposição Cuide de Você, de Sophie Calle. Estava a fim de ver algum trabalho dela ao vivo, desde que o Jailton me mostrou alguns catálogos dela no Torreão.

Nunca tinha ido no Sesc Pompéia, um espaço bem legal, projetado pela Lina Bo Bardi. A exposição de Sophie Calle ocupa uma galeria. Não é um espaço muito grande, mas dá conta do recado. A história da exposição é simples: a artista recebeu um e-mail do namorado Grégoire Bouillier rompendo a relação. O e-mail acabava com um Cuide de Você. Sem saber como lidar com a situação, Sophie Calle decidiu levar a cabo a recomendação e chamou 107 mulheres para responder ao e-mail, cada qual dentro de sua profissão. As respostas são as mais variadas, todas acompanhadas de fotos belíssimas das mulheres. Há também respostas em vídeos – alguns muito simples, mas sempre muito bonitos. A exposição começou a me incomodar quando vi que as respostas eram quase um uníssono. Praticamente todas as releituras da carta, num certo sentido, estavam “do lado” de Sophie.

Não gostaria de entrar no mérito estético nem artístico da exposição. Ambos são inquestionáveis. Visitar a exposição é uma experiência intensa e prazerosa. Mas, para mim, o que mais pegou foi o fato da artista ter feito um circo um pouco grande demais para um evento íntimo. Um dos trabalhos é um vídeo com uma especialista em relações familiares. Nele, Sophie ocupa uma cadeira e a outra, destinada a Grégoire, é ocupada pela carta de ruptura. Para mim, este trabalho é a chave interpretativa da exposição, se é que exposições estão aí para serem interpretadas. Sophie diz para a terapeuta que nunca teve prazer com namorado, porque sempre teve medo de que fosse a última vez, entre outras declarações que nos dão pistas de que talvez nenhum dos dois tenha razão. Pista óbvia quando se trata de relacionamento. Ao mesmo tempo em que Grégoire é acusado de que não soube amar Sophie, a artista admite que não soube lidar com a situação do rompimento.

Saí da exposição pensando nessas coisas e de como deve ter sido para ele essa situação. De uma hora para outra o sujeito é “quase” impedido de acabar um relacionamento. Fiquei questionando se o cuidar-se também não implica o cuidar do outro. E, também se não seria um exagero extrapolar dessa forma os limites entre o público e o privado, apesar do cunho artístico e já ficcional da proposta. Sobre isso achei uma frase que Grégoire disse na FLIP e que achei bem simpática, independente de ser uma sentença verdadeira ou uma simples frase de efeito: “a arte nunca é sobre o público ou o privado. A arte é sempre sobre a interioridade de um sujeito”. De qualquer maneira, acho que eu teria gostado mais da exposição se eu não soubesse se era fato ou ficção, como outros trabalhos da artista. Ao saber sobre a realidade dos acontecimentos, o trabalho ganha um caráter de novelesco demais.

Chegando em Porto Alegre, encomendei o livro de Grégoire, O convidado surpresa, que conta como ele conheceu Sophie Calle em uma de suas festas de aniversário. Achei boa literatura, apesar de o texto ser um pouco verborrágico demais, e vi nele uma concretização da afirmação acima do escritor. Para mim o ciclo que a exposição abriu, só fechou depois que li o livro – os dois acabaram constituindo-se no mesmo trabalho.

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