quinta-feira, maio 13, 2010

O mundo está longe de acabar


Nessa sexta, entra em cartaz o filme Antes que o Mundo Acabe, de Ana Luiza Azevedo. Gosto dos curtas da Ana pelo ponto certo em que ela sempre chega. O estilo é simples (no melhor dos sentidos), o olhar é delicado, as coisas estão na medida. Com o longa não é diferente. Vi o filme na pré-estreia e fiquei muito feliz com o que vi. Os personagens são pessoas comuns, sem cair em clichês. Até os papéis mais difíceis, falo em papéis sociais, como o do pai de criação, escolhem a direção oposta ao drama que normalmente envolve pais e filhos. Por que não ter uma família legal? Ana faz isso ser possível, sem ser piegas.

Daniel, o adolescente protagonista, vive no filme situações comuns de sua idade: escolha profissional, decisão entre sair ou ficar no interior após acabar o ensino médio, uma namorada que quer-mas-não-quer e uma irmã pestinha (e divertidíssima!) que vive o provocando. Não bastasse o dia-a-dia já dividido entre a escola e tentar (re)conquistar Mim, a sua namorada – mas que também é o amor/desejo de seu melhor amigo –, o pai biológico de Daniel começa a escrever cartas e tentar uma aproximação com o filho que nem conhece. Sem saber como lidar com a situação, seu mundo vai bagunçando, bagunçando e até a sua bicicleta é roubada.

Com leveza, bom humor e muitas pedaladas, vamos acompanhando a aproximação de Daniel com o pai, que acaba abrindo seus horizontes com as lindas fotos que manda, mostrando que o mundo é bem maior. Um ponto de destaque são justamente essas fotos, muitas delas clicadas pelo ótimo Fabio del Re, que aparecem animadas no filme.

Bom, acho que já dei uma palhinha sobre o filme. Então, nesse fim-de-semana, compra o teu ingresso e vai no teu cinema preferido conferir. A história encanta jovens e adultos.

Aqui você acessa o site do filme e, abaixo, o trailer oficial:



Você também pode seguir o filme no Twitter (@antesmundoacabe) e no Facebook.

quarta-feira, maio 12, 2010

Viajo porque preciso, volto porque te amo



Aproveito que Viajo porque preciso, volto porque te amo acabou de entrar em cartaz para dizer algumas palavras sobre ele. Vi ainda no Festival de Verão, numa sala pequena do Unibanco Arteplex, com um público razóvel, mas bastante interessado. (É uma pena que eu tenha ouvido relatos sobre pessoas saindo da sala de cinema no meio do filme nessa semana).

Tenho visto os filmes do Karin Aïnoz em cinemas e em bienais de artes visuais. Ele é um cineasta que trabalha nas fronteiras mais do que embaralhadas entre cinema e arte. Fico bem feliz que Viajo tenha realmente entrado em cartaz. Acho que o filme não é nada que o título promete, mas ao mesmo tempo é tudo. Não é um filme fácil, que se entrega ao público, o espectador que tem que se entregar a ele e embarcar na viagem proposta. No final das contas, é uma jornada subjetiva, criada a partir de imagens poéticas, ou transformadas em poéticas pela narratividade construída, que fala sobre o amor, assunto tão caro a todos.

Mas a viagem é exterior, interiormente o personagem está estancado, esfacelado, talvez ele não tenha condições de viajar. Fica revivendo o mantra de um amor que não funcionou. Lembro aqui de Alain Badiou, que li recentemente: "os movimentos que a poética do cinema entrelaça são falsos movimentos". Enquanto isso um olhar particular de um nordeste, para mim tão distante, vai tomando conta da tela e enchendo os olhos. " O cinema é visitação: do que eu teria visto ou ouvido, a ideia permanece enquanto passa", complementa Badiou.

Jean-Claude Bernardet tem feito uma série de posts sobre o filme em seu blog. Cito aqui o início do último post, que acho muito preciso: "Essa subjetividade que impregna as imagens de VIAJO é pós-JOGO DE CENA. VIAJO e o romance de Luiz Ruffato ESTIVE EM LISBOA E LEMBREI DE VOCÊ pertencem à mesma geração". Achei muito boa a associação com o livro de Ruffato. Ele realmente tem uma atmosfera que dialoga com o filme, um não-estar, que permeia toda a história de um emigrante de Minas que vai para Portugal. O personagem de Ruffato também viaja porque precisa.

Estive em Lisboa é um belo livro. Viajo é um filme belo.

sábado, maio 01, 2010

Teoria e poesia

A teoria, por vezes, é pura poesia:

A tematização do movimento desemboca no móbil idêntico e na relatividade do móbil, quer dizer, ela o destrói. Se queremos levar a sério o fenômeno do movimento, precisamos conceber um mundo que não seja apenas feito de coisas, mas de puras transições. O algo em trânsito que reconhecemos necessário à constituição de uma mudança só se define pela sua maneira particular de “passar”. O pássaro que atravessa meu jardim, por exemplo, no momento mesmo do movimento é apenas uma potência acinzentada de voar e, de uma maneira geral, veremos que as coisas se definem primeiramente por seu “comportamento” e não por “propriedades” estáticas. Não sou eu quem reconheço, em cada um dos pontos e instantes atravessados, o mesmo pássaro definido por caracteres explícitos, é o pássaro, voando, que faz a unidade de seu movimento, é ele que se desloca, é este tumulto plumoso ainda aqui e já está ali numa espécie de ubiqüidade, como o cometa com sua cauda. (pg. 370-371)


PONTY-MERLEAU, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2006 (3ª Edição)